Série "Chicão, Sincorá e Purificação: gastações de uma aventura no Vale do Capão”


- Episódio 1 -
“a estrada vai além do que se vê...”


Vista do Vale do Capão, Palmeiras/BA
O dia amanhece na cidade de Ilhéus. Os três andarilhos entram na “cápsula branca” cheios de expectativas de uma aventura que inicia às 06 horas da manhã de uma sexta-feira, 22 de junho de 2018.
Era como se a partir daquele momento o tempo contasse de uma forma diferente, não dependesse mais do relógio. Nos próximos dias eles só saberiam contar as horas baseados no sol, na lua, no dia e na noite.
Começam a viagem ajustando a frequência e a trilha sonora, pois além de uma trip entre amigos, implicitamente estava estabelecido que seria também uma viagem de compartilhamento musical, conhecimento e auto-conhecimento mútuo.
Ao adentrarem na estrada permeada pela mata atlântica, mesmo num dia nublado e cinza, a paisagem dentro da “cápsula branca” era iluminada de esperança, expectativa, alegria e, principalmente, de diálogo e compartilhamento. Estabelecem a conexão, abrem o canal de comunicação  e iniciam uma jornada “baseada/o” na fala, na escuta e no silêncio:

“Eu não sei dizer
Nada por dizer
Então eu escuto
Se você disser
Tudo o que quiser
Então eu escuto
Se eu não entender
Não vou responder
Então eu escuto
Eu só vou falar
Na hora de falar
Então eu escuto
Fala”
(Secos e Molhados)

Em nossas relações do cotidiano, estamos tão fixados em fazer tudo ao mesmo tempo e agora, que esquecemos de exercer e utilizar nossa capacidade de audição. Nós ouvimos, mas não escutamos, manja? Ouvir e escutar são coisas muito diferentes, assim como ver e enxergar também (vamos ficar por aqui nesta gastação, caros leitores). Devemos estar atentos e usufruir diariamente dos nossos sentidos de audição e visão de uma forma amorosa, respeitosa e paciente com o que o outro tem a nos dizer e a nos mostrar. O (com)partilhamento e a troca, desde que estejamos com nosso HD livre, nos torna melhor e mais atentos com o que a vida tem a nos oferecer.
Os três amigos seguem o caminho pela mata atlântica, num visual incrível, exercendo de forma plena os sentidos de ver, rever, refletir, ouvir a si e ao outro, felizes, de uma maneira geral.

“Uma doce família
Que tem a mania
De achar alegria
Motivo e razão
Onde dizem que não
Aí que tá a mágica, meu irmão”
(O Rappa)


Muitas vezes estamos tão fixados em chegar no nosso local de destino que esquecemos de apreciar o caminho, que é tão valioso ou mais do que o ponto de chegada, ‘aí é que está a mágica, meu irmão’".
Os andarilhos decidem curtir cada momento do caminho construindo uma relação sólida de parceria, amizade, amor e irmandade e compartilhando histórias de vida.  Sem que percebam, chegam na cidade fantasma de Jequié/BA e desembarcam para um café. No interior da “cápsula”, tinham se esquecido que era dia de jogo da seleção brasileira. Encontram uma senhora solitária em meio à rua fantasma, e ela, de uma forma doce e amorosa, consegue ver e enxergar nos três amigos que acabam de chegar a possibilidade de compartilhar, mesmo que por alguns minutos, de um diálogo amoroso e fraterno, daqueles que temos com nossos avós/pais/mães/tios. Ao se despedirem dela, ouvem e escutam um sussurro distante “vocês vão para a Chapada Diamantina? que Deus abençoe a viagem de vocês”. era como se realmente os três amigos estivessem sendo abençoados daquele momento em diante.
Que incrível são os encontros que o universo nos proporciona ao longo desta longa viagem que é viver? Só precisamos estar atentos e disponíveis para reconhecê-los em nossos caminhos e perceber que ‘a estrada vai além do que se vê’.
Na padaria todos os olhos estavam voltados para o jogo da seleção brasileira. No entanto, os andarilhos continuavam ‘dentro da cápsula’ e tinham como único objetivo tomar um café e seguir o caminho para a Chapada Diamantina. Pagam a conta e ‘gastam’ por horas o raciocínio de como que a atendente não conseguiu fazer uma conta de subtração de R$ 41,00 - R$ 14,00? Em meio a toda essa confusão passa um cidadão tocando uma percussão no quadro de uma bike, sem roda, sem aro, sem freio, sem nada. Em dia de jogo da seleção é assim, cada um contribui com a animação e torcida do jeito que pode. Imagine então em meio a uma cidade fantasma? Alguns minutos depois, ao saírem da padaria, no caminho para o caixa eletrônico, eis que o Chicão, em solidariedade à atendente, compartilha da informação secreta de que só recentemente conseguiu aprender a fritar um ovo. Vocês devem estar se perguntando, o que isso tem haver com o contexto? Caros leitores, faz parte do processo de ‘gastação’! Após rirem por uma eternidade, eles até hoje não conseguiram entender a comparação, mas seguiram em frente na jornada que estava só começando.
No caminho rumo ao Capão, a paisagem começa a ficar mais ‘chapada’. Dentro da ‘cápsula’ assistem a mudança da vegetação através de uma tela privilegiada. Deixam para trás a mata atlântica e começar a ver/enxergar as silhuetas das montanhas ao longo da nova estrada. Observam também atentos o ‘balé dos caminhões’ que se entrelaçam naquele caminho belíssimo, que parece mais uma pintura, combinando o céu azul, o verde da chapada e o cinza do asfalto. Inspirada pelo momento, Purificação revela seu sonho de infância que era “morar em frente ao mar, ter um carro e viajar”. Naquele instante, os três amigos puderam vivenciar e partilhar do mesmo sonho dela e, sem que percebessem, tinha se tornado deles também.
“...amor tão grande tem que ser vivido a todo instante
E a cada hora que eu to longe é um desperdício
Eu só tenho 80 anos pela frente
Por favor, me dá uma chance de viver
Eu quero partilhar
A vida boa com você”
(Rubel)

Num processo de troca, devemos nos permitir sonhar o sonho do outro, pois alegria só vale a pena mesmo se for (com) partilhada e vivida a todo instante. Nunca sabemos quanto tempo teremos pela frente.

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- Episódio 2 -
“Chegando Chapados na Chapada”


Morro do Pai Inácio, Chapada Diamantina, 
Palmeiras/BA
Dentro da ‘cápsula’, eles percorrem todo o caminho ‘gastando’ e se divertindo com suas histórias, afinidades, diferenças, experiências e aprendizados que tiveram ao longo dessa viagem louca que é a vida, em que estamos sempre aprendendo e reaprendendo.
Nessa jornada da vida, temos que, sempre que possível, reiniciar o HD, de forma a liberar espaços para novos aprendizados, experiências coletivas e individuais.
Ao chegar ‘chapados na Chapada’, os andarilhos viram e enxergaram o imponente Morro do Pai Inácio. Deste momento em diante, reiniciaram o HD e atravessaram o “PORTAL” livres, leves e ‘soltos/as’, compreendendo que ali (re)iniciavam uma nova etapa da viagem, abertos e conscientes de que tinham muito a aprender com o síndico.

“E o fim durou, e o fim durava
O que acabou não se acabava
A lição foi mal passada
Quem aprendeu não sabe nada…”
(Tim Maia)

Optaram por se permitir a vivenciar cada momento de forma única, simples, de forma racional e irracional. Aquelas terras sagradas os acolhiam de uma forma tão intensa, que eles puderam sentir-se pertencentes a ela, durante o tempo que fosse necessário para estabelecer a conexão. Os dias e horas seriam vividos de uma forma serena, doce, atenta, e compartilhada, e sempre no caminho do bem.
Após a entrada no portal mágico, eles começam a sentir e a desfrutar da energia daquele território. A visão das montanhas somada à luz do sol no final de tarde, abre uma tela de TV ao vivo e a cores. Era como se os amigos estivessem dentro de um filme, com cenas reais, e como personagens (principais ou coadjuvantes) daquele cenário incrível produzido pela natureza selvagem ao longo de milhares de anos. Desfrutar daquele momento de forma coletiva é se dar conta de que a vida é uma só, e nesta viagem da vida e para o Capão, eles estão fazendo o que sempre sonharam.

“Sou caixeiro, feliz viajante
Eu tô seguro na pista, por um triz
Eu tô inteiro na raça
Fazendo o que eu sempre quis
Fazendo o que eu sempre fiz…”


(O Rappa)

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- Episódio 3 -
“No meio do caminho tinha uma sereia, tinha uma sereia no meio do Riachinho”


Pôr do sol, Cachoeira do Riachinho, 
Palmeiras/BA
Desembarcam na cidade de Palmeiras/BA. Sentem-se como se estivessem em ‘casa’ e incorporados à paisagem da região. A medida que começam a percorrer a estrada para o Vale do Capão, o sentimento de pertencimento aumenta, a ‘gastação’ se intensifica e naquele momento estão confiantes de que a “vida é linda, dura, sofrida, carente em qualquer continente, mas boa de se viver em qualquer lugar” (O Rappa).  
Eles estavam vivendo a vida de forma intensa, linda e naquele lugar que escolheram para desfrutar momentos especiais. Tão especiais que ao chegarem no Riachinho se deparam com uma sereia (isso não é ‘gastação’, caros leitores). No meio do caminho, tinha uma sereia, tinha uma sereia no meio do do Riachinho, parafraseando Carlos Drummond de Andrade. Isso é o Vale do Capão! Cheio de seres de luz, exóticos, pitorescos, inesperados, ‘fora dos padrões’, cada um na sua vibe, mas todos no caminho do bem. Vivenciaram aqueles momentos no Riachinho como se fosse uma breve amostra do que seria os dias seguintes: de paz, de alegria, de ‘gastação’, de emoção, de muitas risadas, de encontros e compartilhamentos, juntos e/ou sozinhos. Cada um na sua vibe, jamming!

“ Estamos curtindo, estamos curtindo
Quero curtir com você
Estamos curtindo, estamos curtindo
Espero que goste de curtir também
Sem regras, sem promessas, podemos fazer de qualquer forma
Só quero que você participe
Pois todo dia pagamos o preço somos o sacrifício da vida
Curtindo até o fim…”
(Bob Marley)

Após presenciarem o pôr do sol no Riachinho, voltaram para a “cápsula branca” e continuaram a jornada rumo ao vale encantado do Capão. Na trilha sonora começa a tocar a música Epitáfio (Titãs). Um olha para o outro, e se dão conta de que os momentos e sentimentos que estavam vivenciando eram reais e presentes (simbolicamente e literalmente) e que não tinha espaço para nenhum arrependimento. Se sentiam protegidos, mesmo distraídos com paisagem.

“O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr…”
(Titãs)

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- Episódio 4 -
“Vila do Capão: as lendas, a alegria, a dança, o riso e a luta social sobrevivem e resistem…”
Praça Central, Vale do Capão, Palmeiras/BA
Os andarilhos finalmente chegam na Vila do Capão. Sincorá desembarca no vale encantado do Katatau - um lugar composto por cogumelos, flores, ursos e vegetação de várias espécies desenhadas nas paredes rosas que dão acesso à toca onde ela dormiria suas noites no vale do Capão. Chicão e Purificação seguem para o vale do Zazen, um pouco mais sofisticado, cheio de detalhes fashion’s e com muito charme. Conforme pactuado desde o início, seria cada um na sua vibe, numa relax, numa tranquila e numa boa.
A vila já estava cheia de seres de luz, vindos de diversas partes da Bahia e do Brasil. O São João no Capão tinha começado pra valer. Os andarilhos começam a entrar no clima da festa e, pra começar, dão uma parada na Dona Gel para experimentar os cookies saborosos (a ‘lara’ tinha batido desde o Riachinho). Circulam pela cidade, se apropriam daquele território, dos cheiros, dos sabores, do clima frio aquecido pelas fogueiras e pelo calor humano dos seres presentes no Capão.
O vale encantado do Katatau é repleto de seres do bem, incluindo ele próprio, que acolheu Sincorá de forma atenciosa, simples, gentil e com muito humor. Trata-se de um verdadeiro vale encantado, onde as pessoas se encontram na cozinha. Ali se conhecem, partilham experiências e partem cada um para a sua trilha e vibe. Na primeira noite fria do Capão, Katatau ofereceu a Sincorá seu famoso quentão e todos os cobertores disponíveis no hostel, pois o frio era tenso. Ela sente-se acolhida e aquecida na alma e no coração por aquele ser abençoado, que decidiu viver em seu vale encantado e há anos não sai da toca. Nem mesmo para ir à vila. O próprio Katatau afirma ”tudo que eu preciso pra viver feliz, eu tenho aqui comigo”. De fato, ele vive rodeado de andarilhos e seres do bem, sempre disposto a compartilhar e a doar seu afeto e ‘humor ácido’ a quem ele se afeiçoa. Sincorá foi uma privilegiada.
No mesmo pacote do Katatau, Sincorá conhece a animada e falante Dra. Curvelo (uma jurista de mente aberta, de esquerda, fora temer, lula livre, chegada numa cachacinha e no licor do Palito, e também da ‘gastação’). Tornam-se parceiras de jornada e durante os três dias compartilham histórias de vidas, reflexões sobre temas diversos do cotidiano, conhecem novos seres de luz e firmam uma nova amizade.
À noite, os amigos se reúnem na praça central do coreto e, aos poucos, vai se formando uma ‘quadrilha’ de pessoas do bem que se aproximam, se conectam, trocam boas energias e dançam forró, degustando os diversos sabores de licor do famoso Palito.
O forró toma conta da praça. Os casais se encontram no coreto e formam um lindo e atraente balanço a dois nas passadas de dois pra lá e dois pra cá. Eis que no intervalo do som surge no meio da multidão, ele, o palhaço! As pessoas que estavam na praça começam a interagir com suas palhaçadas e timidamente, cada um ao seu modo vai esboçando um sorriso. De repente, ele abre uma placa vermelha com letras grandes escrito “APLAUSOS”. Neste momento o riso contido dá lugar às gargalhadas e a magia do circo contagia a praça. Era como se todos voltassem a ser crianças, de forma pura e espontânea. Chicão, em seu universo particular, se conecta com o espetáculo e se permite gargalhar. Quem sabe naquele momento ele estivesse lembrando-se do ping pong das pulgas. Vai saber!
Na primeira noite, o cansaço bateu cedo. Os amigos tinham feito uma jornada intensa e decidiram se recolher um pouco mais cedo, mesmo que a vontade de ficar fosse maior. Ao final da apresentação da banda de forró no coreto, eles ouviram um uníssono “FORA TEMER”. Imediatamente eles se olham e entendem aquele momento como uma mensagem: no Vale do Capão os ares progressistas sobrevivem e resistem. O maior símbolo de resistência é um mini-trio elétrico plotado de “LULA LIVRE”. O mini-trio não possui somente a foto do Lula, mas de diversas lideranças progressistas e de esquerda do Brasil, da América Latina e do Mundo estampados em seu banner vermelho (Dilma Rousseff, Marielle Franco, Marisa Letícia, Leonel Brizola, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mercedes Sosa, Zumbi dos Palmares, Che Guevara, Karl Marx, Chico Mendes, Luiz Carlos Prestes, entre outros).

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- Episódio 5 -
“tudo agora mesmo, pode estar por um segundo”


Cachoeira Poço das Cobras, 
Vale do Capão, Palmeiras/BA
O café da manhã no hostel do Katatau é uma festa à parte. Às 08h00 começa o movimento na cozinha e aos poucos os andarilhos vão se posicionando para desfrutar o famoso prato com zoião (ovo frito), alface, tomate, pão integral, queijo, orégano, suco de maracujá (como se fosse necessário alguém ficar mais calmo naquele lugar) e como complemento o delicioso bolo de banana. O café da manhã é preparado um a um para cada gnomo (sim, o tempo lá é outro, ninguém gasta menos do que 1 hora para desfrutar o café da manhã do Katatau). Por entre as mesas no terraço, vão se formando, novas amizades e parcerias, encontros e aproximações, descobertas de afinidades e diferenças. Na maioria das conexões estabelecidas naquele vale encantado, surgem grandes amizades, namoros rápidos, trocas de energia, ‘gastações’ coletivas, muita irmandade e parcerias.
No primeiro dia do café da manhã, Sincorá conhece o jovem Yang, o menino ‘solto’. Ao estabelecerem as primeiras conexões, ela imediatamente se lembra do Supertramp, o homem ‘solto’ (esse é um capítulo à parte que será contado ao final do livro. Guarde sua curiosidade e aprecie mais o caminho desta narrativa do que a chegada).
Entendedores entenderão que o termo ‘solto/a’ se refere àquela gastação que nos dá uma sensação massa, de paz, tranquilidade e uma curtição que dura algumas horas de forma intensa, onde se aproveita cada minuto/segundo. Esperamos o tempo que for necessário para vivenciarmos novamente tal sensação. Trata-se de momentos únicos.
O jovem Yang, assim como Supertramp, ama a vida, as mulheres (está sempre rodeado delas), os amigos/as e vivencia as novas experiências com intensidade, amorosidade, respeito e muita vontade de trocar energias. Numa dessas conexões, no Poço das Cobras, Sincorá e Yang estabeleceram um breve e intenso diálogo que a marcou (talvez pelo fato dela viver longe do irmão mais novo e pensar nele a todo momento ali naquele território, em como ele iria se divertir naquele lugar). O assunto foi sobre a relação entre brothers, ela de uma forma cuidadosa, numa de suas ‘gastações’, disse a Yang: “observe seu irmão mais novo, ele tem muito a te ensinar, não queira julgá-lo. Se você passar a compreender os processos que ele vivencia no dia a dia, tu poderá observar a força e a resistência dele no enfrentamento desse mundo tão preconceituoso em que vivemos”.
Ela pode perceber no jovem Yang a abertura e disposição em ouvir, processar, refletir e se permitir vivenciar as conexões que a vida proporciona para aquele jovem de olhos sensíveis, sedutores, mente aberta e disposição para curtir intensamente a vida, livre, leve e ‘solto/a’.
Yang e Supertramp, cada um ao seu modo, estão sempre à procura de novas trilhas e caminhos, estabelecendo suas próprias conexões, atravessando a margem do rio indo ou voltando, amando a natureza roots, aproveitando cada minuto e cada segundo, assim como nos versos de "Tempo Rei"...

"Não se iludam
Não me iludo
Tudo agora mesmo
Pode estar por um segundo..."
(Gilberto Gil)

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- Episódio 6 -
“o buraco da minhoca”

Trilha Cachoeira Conceição 
dos Gatos e Poço das Cobras
Chicão, Purificação e Sincorá partem rumo a novas trilhas e caminhos  - Cachoeira Conceição dos Gatos e Poço das Cobras. Na companhia das novas amigas incluindo a Dra. Curvello, eles caminham pela trilha suave e chegam à primeira etapa. Observam por uns instantes a cachoeira Conceição dos Gatos, mas decidem seguir em frente até o Poço das Cobras. No caminho cheio de obstáculos, Chicão e Purificação, se utilizando das “leis da física”, desenvolvem o paradigma denominado de “buraco da minhoca”.
"A teoria do buraco da minhoca foi desenvolvida pelos físicos Albert Einstein e Nathan Rosen que acreditavam na possibilidade de ser possível se realizar viagens no tempo por meio de buracos que atuam como portais que permitiram o trânsito entre o futuro e passado, ou ligar duas regiões distantes do espaço. Essa ideia tem como base a teoria da relatividade, desenvolvida pelo próprio Einstein, que defende que toda massa curva o espaço-tempo. Trata-se da ligação entre dois pontos diferentes presentes no espaço-tempo, que é capaz de reduzir o tempo e a distância de viagem. Ainda de acordo com a teoria da relatividade, esses buracos de fato existem, mas até então nenhum foi descoberto."
Os andarilhos liderados pelos dois físicos do grupo, aprendiam os ‘paradigmas clássicos’ e os ‘novos paradigmas’ ou ‘novas leis do universo’. De forma coletiva associavam a teoria e a prática (caros leitores, quando se consegue estabelecer uma boa conexão entre mundos diferentes, as novas teorias são assimiladas por todos/as, cada um ao seu modo, de uma forma inter, multi, e transdisciplinar).
Os novos paradigmas não pararam por aí! Num processo de criação coletiva foi desenvolvido também o mito da "Camponesa de Tóquio” (uma sereia que surgiu no Poço das Cobras e que, com seu canto e encanto, despertou das profundezas da cachoeira o seu prometido e amado Netuno”.
Vocês acham que acabou por aí a ‘gastação’? imagina! Junto com o “buraco da minhoca” e a “Camponesa de Tóquio”, eis que surge para completar o time, elas, as “Bananas Mutantes dançantes” (no vale sagrado do Capão, vive um coletivo de bananeiras que dançam conforme o vento, e balançam suas folhas numa espécie de balé raro, onde só os conectados conseguem ver e enxergar).
Os três alquimistas foram abduzidos para o “buraco da minhoca” e lá permaneceram até o final da jornada estabelecendo conexões entre o passado, o presente e o futuro. Na volta da trilha ainda encontraram o Café Cogu, que fica dentro de um cogumelo gigante. Fizeram uma parada estratégica para dar conta da ‘lara’ e seguiram curtindo o visual deslumbrante do sol no final de tarde iluminando as silhuetas das montanhas do Vale.


“São pacientes, assíduos
e perseverantes
executam
segundo as regras herméticas
desde a trituração, a fixação,
a destilação e a coagulação…”
(Jorge Ben Jor)

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- Episódio 7 -
“Noites na Taverna“

Vila no Vale do Capão, Palmeiras/BA
Cai a tarde no Vale do Capão! Os três alquimistas chegam na vila e ouvem um som no coreto que não era forró, mas sim um reggae. Opa! Decidem curtir a 'vibe' com intensidade, compartilhando a energia que os conectam em outro universo em meio ao clima do São João no Capão. Quando a Banda “Mosiah Roots” toca o groove de Jorge Ben, o público presente se ajusta numa nova frequência e se entrega ao som de

“Sacundim, sacundém
Imboró, congá
Dombim, dombém
Agouê, obá
(Jorge Ben Jor)

Era noite de São João e o clima na vila era de pura magia e animação. Fogueiras gigantes, árvore decoradas, brincadeiras na praça e muito forró no coreto. Um ambiente típico das festividades tradicionais do nordeste brasileiro, o famoso São João.
Sincorá se espalha na cidade, compra uma garrafa de licor de jabuticaba no Palito e junto com as novas amigas, incluindo a Dra. Curvello, começa a estabelecer suas novas conexões. Depois de uma rápida passada no coreto para ouvir o forró roots, ela encontra no caminho a “Taverna”. No interior do Pub, Sincorá se depara com um latino-americano tocando guitarra e fazendo o solo de “Stairway to Heaven”, do Led Zepellin. Opa! Pensa ela “começou pra valer minha noite de São João”, somando ao licor do palito, ela toma a famosa cerveja 'cavalo do cão', se permite entrar no “buraco da minhoca” e ali permanecer numa viagem musical a noite inteira ao som do rock'n roll clássico, passando pelo maracatu da Nação Zumbi,  e pelo som retrô Cocaine, de Eric Clapton.
Chicão e Purificação se divide entre o forró no coreto, o forró nos diversos bares espalhados pela vila e no rock da “Taverna”. Resistem o quanto podem, mas são vencidos pelo cansaço e partem para o vale do zazen.
Termina a noite na “Taverna”, Sincorá sai do “buraco da minhoca” e dá uma passada na praça central. Era madrugada e o frio intenso, mas para os ainda resistentes na praça o mais importante era curtir cada minuto/segundo daquela noite ao som do mini-trio “Lula Livre” que espalhava alegria e calor  ao som do xote clássico, com sua batidas potentes. Ninguém conseguia ficar parado na praça, fosse pelo frio intenso e cortante, ou fosse pelo som do baião de Luiz Gonzaga. No vale do Capão é assim, cada um dentro do seu próprio universo e sendo protegido por uma força maior. Como consta nos versos da música Pirambeira, no Capão tudo pode acontecer.

“quem foi que disse que ladeira não é pra subir
quem foi que disse que pirambeira não é pra descer
ontem choveu o noite inteira
nada o que fazer
vou acender uma fogueira quando o céu abrir
No vale do capão é assim
o deus que cuida de você, cuida de mim
na cachoeira da fumaça, no poço do gavião, no rio preto, águas claras, no pé do morrão
No vale do capão é assim…”
(Mosiah)

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- Episódio 8 -
“tudo acaba onde começou“

Morro Branco, Vale do Capão, 
Palmeiras/BA
Após uma longa noite de São João, o dia amanhece no vale encantado do Katatau. Após um café da manhã especial, ‘gastações’ coletivas e novas conexões, Sincorá se junta novamente a Chicão e Purificação. Antes da chegada deles, ela conhece um senhor que reside em frente ao hostel que fornece várias dicas da região, das trilhas do Pati e da melhor forma de chegar à cachoeira da Purificação.
Os três amigos partem para mais um dia de novas descobertas. No caminho resgatam duas andarilhas que seguiam a pé sozinhas para a trilha. Está criado ali um quinteto que passariam o dia todo juntos compartilhando histórias de vida e estabelecendo novas conexões. Iniciam a trilha, recebem novas orientações dos guias locais e partem para a primeira cachoeira, a Angélicas. Fazem uma rápida parada para apreciar o cenário, e seguem viagem rumo à Purificação, admirando o caminho e suas vegetações. Começam a subir, subir e subir. Chegam no primeiro mirante da árvore solitária. Se deparam com uma imagem belíssima do Morrão iluminado pelo sol. Fazem uma parada estratégica e logo em seguida chega ao local um outro grupo de andarilhos. Estabelecem outras conexões e refletem coletivamente: estamos no caminho certo, pois várias pessoas estão seguindo a mesma trilha. Após mais de 1 hora e meia de subida descobrem que estavam todos perdidos no mesmo caminho. Melhor dizendo, estavam na trilha certa, só que para o Vale do Pati e não para a cachoeira da Purificação. Ao chegarem no segundo mirante, se deparam com uma imagem que recompensou todo o sacrifício: um vale rodeado pela Serra do Sincorá, representada pelo imponente Morrão.
Na vida muitas vezes achamos que estamos perdidos e sem rumo, mas na verdade estamos nos encontrando ou nos reencontrando em novos caminhos que vão se abrindo de uma forma espontânea, leve e livre. Às vezes, nos perdermos significa nos acharmos. Devemos acreditar que “é preciso força pra sonhar e perceber, que a estrada vai além do que se vê…” (Los Hermanos)
Os cinco andarilhos retornam na trilha e desistem de chegar na cachoeira da Purificação. Descobrem novos caminhos e voltam ao ponto de origem, felizes e realizados. Chicão e Sincorá numa ‘gastação’ voltando da trilha, lembram do eterno Raul Seixas que ‘canta a pedra’ (divagações sobre acontecimentos futuros) no verso “Pedro, onde você vai eu também vou, mas tudo acaba onde começou…”
De volta a parada inicial da trilha, eles saboreiam o delicioso e tradicional pastel de jaca. Sentam debaixo de uma árvore e começam a observar o cenário belíssimo ao pé do Morrão. Conversam entre si, e observam um pouco mais distante, um galo rodeado de umas 10 galinhas, reinando pleno e soberano. Sincorá inicia a ‘gastação’ se referindo ao galo, como se realmente ele a entendesse: “tu vai reinar até que as galinhas se empoderem e comecem a relacionar-se entre si. Quando menos esperar, seu galo, tu estará sozinho e os ovos irão começar a desaparecer do galinheiro, pois as galinhas se libertarão da obrigação do sexo para procriação, e irão preferir o sexo pelo prazer...serão 10 contra 1”.
Eles deixam o galo e as galinhas se entendendo por lá e partem rumo a trilha gastronômica desejada desde o dia anterior. Se despedem das novas amigas andarilhas e partem rumo à estrada contemplando o entardecer admirando as silhuetas das montanhas. Chegam no restaurante, sentam-se à mesa e ao olharem pela janela não acreditam no que vêem - a imagem do morro branco, que no pôr do sol deixa de ser branco e fica multi-colorido (cinza, lilás, bege, branco). Eles assistiam ao vivo pela janela, que simulava a tela de uma TV, um entardecer de tirar o fôlego. Estavam tão admirados, que por alguns minutos esqueceram da fome e da atendente que estavam aguardando eles fazerem o pedido. Sincorá e Chicão prontamente escolheram o prato, mas Purificação estava conectada em outro universo. Foi necessário traduzir pra ela que era chegado o momento de alimentar o corpo também, pois a alma dos três andarilhos já estavam mais do que saciada com tanta beleza naquele espaço. É um restaurante estilo retrô cuidadosamente decorado com peças antigas e delicadas que lembra uma viagem no tempo do cinema nacional e internacional. Era como se eles estivessem realmente vivendo num filme de época (lareira, sombrinhas penduradas nas árvores, banheiros decorados com temas do cinema, morro branco colorido, lua crescente). Mas na verdade viviam um filme real, com emoções e alegrias reais que simbolizavam a parceria, a amizade e os encontros da vida.

“Nós vamos, vamos nos recompor, eu sei
Vamos, vamos nos recompor e fluir
Vamos, vamos nos recompor e ir
Cada vez mais alto…”
(Up&Up, Coldplay)

Cai a noite, e a vila do Capão se aquece novamente com as fogueiras de São João. Sincorá caminha pela rua principal da vila e encontra o jovem Yang numa mesa cercada por 6 mulheres. Ela se junta ao grupo e logo estabelece suas conexões tomando uma taça de vinho. Dos vários assuntos que surgiram, um a chamou mais atenção. De uma forma bem humorada o jovem Yang se vangloria do fato de estar cercado de várias mulheres na mesa. Sincorá o desafia a assumir o papel de macho imposto pela sociedade dizendo que ele deve pagar toda a conta da mesa. Todos riem e ela aproveita para contar da ‘gastação dos galos com as 10 galinhas”, citando a palavra empoderamento. Uma das meninas presentes retrucou de imediato dizendo “eu odeio esta palavra ‘empoderamento’, para mim é tudo humanismo, homem e mulher são iguais…”. Sincorá refletiu sobre o que acabava de ouvir e decidiu não problematizar. Era um assunto muito complexo para um momento tão simples e leve. Mas lá no fundo, Sincorá queria ter dito naquele momento para a jovem mulher “minha flor, um dia espero que você compreenda que o feminismo luta pela igualdade de gêneros e não pela rivalidade entre homens e mulheres, afinal de contas somos todos humanos e merecemos o mesmo respeito. Mas infelizmente, ainda vivemos uma machismo estruturante em nossa sociedade e as mulheres precisam lutar diariamente para serem respeitadas e não sofrerem violência”. No entanto, Sincorá preferiu se calar e seguir o baile na noite de São João. Para fazer sentido uma reflexão dessas naquele momento, a menina precisaria tomar consciência. Vou torcer para que ela obtenha tal consciência um dia sem precisar sofrer nenhum tipo de violência.
O cansaço bateu naquela segunda noite de São João na vila, e os andarilhos pegaram a trilha do sono um pouco mais cedo.

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- Episódio 9 -
“Minha terra é a terra que é minha e sempre será.”

Salamandra, Riachinho, 
Vale do Capão/BA
O último dia dos três amigos no Capão inicia com um dia nublado, mas iluminado de boas energias e ânimo para mais uma aventura no Morro do Pai Inácio. Decidem dar uma volta no comércio local, conhecer um pouco do funcionamento da vila ao amanhecer e fazer umas comprinhas (camisetas, café da chapada, chapéu, sabonetes naturais, passarinhos de pano do Sr. Diva, entre outras coisitas). Caminham até a casa do brother Presto. Chegam na casa ao final de uma trilha e não obtém sucesso. Sincorá avista um tênis na porta (número 37), analisa para saber se é masculino ou feminino. Era possível que o brother estivesse acompanhado e esticando a noite do São João, vai saber! Desistem e voltam para a vila. Esperam mais um pouco e fazem uma nova tentativa encorajados pela mãe do Presto: podem voltar lá que ele já acordou. Os andarilhos chegam à conclusão que o tênis era dele. Utilizando o código “Bamboo”, os três amigos são recebidos na varanda da casa do jovem Presto. A varanda possui uma vista, nada mais e nada menos para a Serra do Sincorá. Avistam as plantações de ‘chás’ naturais e ficam encantados com a energia daquele lugar. Uma gata roots se aproxima e cumprimenta os andarilhos. A gata tinha parido seus filhotes há algumas semanas e eles já tinham pegado a trilha da vida e partido para o mundo. Em meio aquele universo de paz, o jovem Presto faz uma surpresa para celebrar o encontro e a amizade. Oferece uma sessão de ‘chá’ com ervas colhidas do quintal. Os quatro amigos se conectam na mesma frequência e o prosa vai longe, chegando no National Geografic. O jovem Presto nas suas ‘gastações’ exibe a imagem de uma salamandra que estava sendo cuidada por ele no Riachinho. Na perspectiva de obter uma escala geométrica da espécie, ele aguardou pacientemente e fotografou uma formiga passando com seu alimento por cima da salamandra. Se não existisse a imagem por foto, seria difícil acreditar naquela explicação científica. Sincorá que é de humanas, viu uma poesia na imagem. Chicão e Purificação, além da poesia conseguiram analisar do ponto de vista da física: a escala, a dimensão, a profundidade e a complexidade, daquela imagem exibida pelo jovem Presto. O jardim da casa era repleto de espécies raras. Chicão e Purificação foram agraciados com várias mudas, entre elas de Babosa e Espada de São Jorge, que agora habitam o pequeno jardim da varanda de apartamento deles de frente para o mar, em Ilhéus. 
Sincorá aproveita para traçar o roteiro da trilha do Pati com o guia Presto. Na conversa consegue mentalizar os caminhos traçados por ele e já se imagina nesta nova aventura pelas terras do Pati, seja pelas Geraes do Vieira, Calixto ou pelo Rancho. Seja entrando e saindo pelo Guiné, seja entrando pelo Guiné e saindo pelo Capão. Entendedores (das trilhas do Vale do Pati) entenderão!
Na despedida, continuando as ‘gastações’, os três amigos escutam do jovem Presto uma reflexão do quanto é importante o contato com aquela terra, e conseguem ver o brilho dos olhos daquele jovem, que nasceu e cresceu ali, afirmando que o contato com aquele território o faz ser mais forte e pertencente àquela energia do solo que brota mudas de amor, parceria, amizade e o mais importante: o respeito pela natureza! 

“Minha terra é a terra que é minha
E sempre será
Minha terra tem a lua, tem estrelas
E sempre terá…”
(Legião Urbana)

Os encontros da vida, mesmo aqueles breves, nos transformam em questão de minutos. A troca de energia com pessoas do bem nos alimenta de novas perspectivas, de novos sentimentos e nos faz refletir sobre como a felicidade está nas pequenas coisas e nos momentos especiais de troca, partilhamento e aquisição de novos conhecimentos. A energia da natureza é intensa e renovadora de sonhos e esperanças. No alimenta e nos realimenta, sempre!

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Episódio 10 
“Só levo a certeza de que muito pouco sei, ou nada sei…”

Pôr do Sol, Morro do Pai Inácio,
Palmeiras/BA
Os três amigos seguem para a última aventura no Capão. Gastam durante horas ainda aquela sensação maravilhosa de troca e de amizade vivenciada com o jovem Presto. Entram na cápsula, selam a irmandade e seguem para a trilha do Pai Inácio. Sincorá entra numa catarse ao fundo da cápsula e chora de emoção e alegria por vivenciar momentos tão especiais ao lado dos amigos, mas seu peito também chora também de saudade do irmão. Como ele gostaria de estar ali e como ela iria adorar dividir aqueles momentos com seu brother roots. Na ausência do irmão de sangue, ela se refugia no amor e na amizade de Chicão e Purificação e celebra com eles os “benditos encontro na vida, amigo (s)” 

“..é tão forte quanto o vento quando sopra
tronco forte que não quebra, não entorta
podes crer, podes crer,
eu tô falando de amizade…”
(Cidade Negra)

Apreciam a paisagem rumo ao Morro do Pai Inácio com a impressão de que aquele visual já tinha se tornado uma espécie de morada para eles, depois daqueles quatro dias de aventuras. De todo modo, eles jamais vão se cansar de admirar as silhuetas das montanhas e as belas paisagens da Chapada Diamantina. 
Sobem pela trilha e chegam no topo do morro. É impossível não se impressionar com a imponência daquela vista. Uma escadaria de madeira facilitou o acesso na trilha e ao mesmo tempo possibilitou vários mirante ao longo da subida. 
O sol suave, o vento cortante, os contrastes de tons do céu azul, do verde das vegetação e o cinza das rochas tornam aquele território um santuário de boas energias e conexões das mais diversas com a natureza, com o universo exterior, e com universo interior. A emoção toma conta dos três amigos e o silêncio prevalece por um tempo. Observam um beija-flor e uma paca bebê andando livres, leves e soltos na vegetação.
Sentam na pedra para apreciar o pôr do sol e quando olham para trás veem a lua cheia surgindo. O sol apagando e a lua acendendo e ascendente no céu azul que ofusca a vista de tão belo. Naquele momento de celebração a única certeza que os três amigos tinham era de que muito pouco sabiam ou quase nada.

“Ando devagar
Porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte
Mais feliz, quem sabe
Só levo a certeza
De que muito pouco sei
Ou nada sei…”
(Almir Sater)

Gastam por horas o encontro do sol e da lua no alto do Morro do Pai Inácio. Um risco no céu feito por dois aviões completam a pintura da tela viva que mudava de cor e tonalidade à medida que o sol descia e a lua subia. Do que muito pouco sabiam, tinham certeza que a existência humana perante aquela imensidão da natureza equivale a um grão de areia na natureza selvagem. 
A certeza de que temos uma vida só e a incerteza se teremos outra oportunidade de vivenciarmos momentos tão mágicos devem servir para nos motivarmos a enxergar a vida de um outro ângulo: leve, solto, alegre e intenso, extraindo o máximo dos ensinamentos e partilhando sempre. Desta forma nos sentimos mais fortes e felizes.
Os três amigos descem a trilha com a sensação de que cada um estava fazendo sua parte de vivenciar os momentos únicos como se fossem os últimos daquela jornada, afinal de contas nunca sabemos quando será o final da viagem na vida, mas que aquela viagem na Chapada Diamantina estava sendo aproveitada ao máximo, como se fosse uma vida só. Mas era tempo de voltar!

“O momento de partir
A hora de voltar
Tempo solto no ar…”
(Fino Coletivo)

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- Episódio 11 -
“só os loucos sabem”

Morro do Pai Inácio, Palmeiras/BA
Os três amigos voltam para a vila e se preparam para a despedida daquele território. Passeiam pela vila na última noite da viagem e sentam para degustar um crepe. O cansaço era tão grande que Sincorá observando o Chicão viajando em seu universo particular não se conteve em registrar: sei lá, amigo...eu tô achando é que bateu, hein?
Depois de tantas aventuras, os três amigos só tinham energia para terminar de comer o delicioso crepe e seguir cada um para o seu vale encantado, dormir e partir na manhã seguinte de volta para casa. O difícil naquele momento de partida era saber onde era nossa morada: naquele universo encantado do Capão ou no paraíso no litoral ilheense? Naquele momento não importava mais, pois eles poderiam retornar quando quisessem. Assim, eles partiram em paz! 

“Agora eu sei exatamente o que fazer
Bom recomeçar, poder contar com você
Pois eu me lembro de tudo, irmão
Eu estava lá também
Um homem quando está em paz
Não quer guerra com ninguém…”
(Charlie Brown Jr.)

Atravessaram o Portal de volta à realidade com o peito transbordando de amor, paz e energia positiva. Tinham cada vez mais a certeza de que a felicidade só vale mesmo quando compartilhada. Chicão, Sincorá e Purificação vivenciaram aqueles dias com a mente aberta, o espírito livre, aproveitando cada momento daquela aventura como se a vida fosse realmente uma só e que valeu a pena, de verdade!

“Guardo tanto tempo em mim
Tudo só pra te mostrar
Que vai valer a pena de verdade…”
(O Rappa)

A “cápsula branca” foi a morada deles durante toda a aventura na Chapada. As paisagens vistas pela janela da cápsula foi como vivenciar um sonho. Um sonho real, com os olhos de china, as risadas frouxas e os balanços dançantes.
Chegaram na cidade de Milagres. Foi o primeiro contato novamente com a civilização urbana. Pela janela observam a chuva de longe, como se eles estivessem rodeando a chuva, mas sendo acompanhados sempre pelo sol. 
Na chegada em Jequié, os três andarilhos são recebidos por um arco-íris. Eles nem se preocuparam em encontrar o pote de ouro, pois toda a riqueza da vida estavam guardados na mente deles, depois daqueles dias no Capão. 
Na estrada de volta para casa, lá estava ela: a lua cheia. Era como se ela estivesse escoltando os amigos dentro da “cápsula” até chegarem ao destino final: o lar em Ilhéus. Era como se a lua dissesse: podem seguir em paz que estarei aqui iluminando os seus caminhos! Eles seguiram curtindo a vibe positiva e re-conhecendo o caminho de volta para casa.
Ao se aproximarem de Ilhéus já no cair da noite, a nostalgia e a saudade dos momentos vividos já começa a bater forte. Repassam a trilha sonora da viagem e decidem quais músicas deveriam constar na lista, mas era impossível escolher. Decidiram que cada um poderia escolher uma música das centenas que ouviram ao longo da viagem. Chicão se antecipa na escolha e mesmo sem combinar entre eles, a música do Gonzaguinha celebrava o fim daquele ciclo de ternura, alegria e emoção.

“Eu apenas queria que você soubesse
Que aquela alegria ainda está comigo
E que a minha ternura não ficou na estrada
Não ficou no tempo presa na poeira…”
(Gonzaguinha)

Chegam em Ilhéus felizes, em paz e sendo abençoados pela chuva que caía naquela noite. de 26 de junho. Sentem o cheiro do cacau vindo da fábrica na entrada da cidade e se re-conectam no território com a certeza de que a amizade e a alegria dos três amigos estarão presentes em várias outras jornadas, regando a vida com amor, sempre! 

“Só os loucos sabem”

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- Episódio 12: Bônus -
"Supertramp, o homem ‘solto'"

Morro do Castelo, Vale do Pati,
Chapada Diamantina
Sincorá conheceu Supertramp há alguns meses. Trata-se daqueles encontros que a vida proporciona e que a gente só processa depois de algum tempo. Eles possuem várias afinidades: música, surf, instrumentos musicais, cifras, acordes, Gilberto Gil,  ‘gastações’ e reflexões sobre a vida. De vez em quando eles se conectam, saem do universo particular e criam um mundo paralelo, trocando energia, ajustando as frequências das notas musicais, curtindo a vibe cada um ao seu modo, seja de maneira individual ou em dupla. Compartilham mundos totalmente diferentes. Cada um traz sua bagagem, partilham experiências, energias positivas e firmam uma parceria que duram algumas horas. Ao final, seguem sua própria trilha com a mente renovada e a certeza de que mesmo sabendo que a paisagem e a vegetação estão em constante movimento, é possível que os caminhos se encontrem novamente, ou não! Quem poderá saber? O que aproxima e conecta Sincorá e Supertramp é a forma livre, leve e ‘solta’ de viver a vida, e como cada um aproveita cada momento de forma intensa, positiva, cultivando o carinho o respeito e o sentimento bom. Numa dessas ‘gastações’ em dupla, ele sugere a ela que assista ao filme “Na natureza selvagem”. Sincorá sentiu-se desafiada e permitiu-se naquele momento abrir um pouco mais a mente, esvaziar o HD e mergulhar no universo do jovem Alex (o personagem principal do filme). Foram necessários alguns dias para processar tantas reflexões sobre a vida e sua analogia com a natureza selvagem. Estava ativado ali o gatilho para que ela voltasse na Chapada Diamantina - a liberdade.  
No filme (disponível na Netflix e com uma trilha sonora maravilhosa composta por Eddie Vedder), o personagem Alex compreende que liberdade e beleza natural são boas demais para recusarmos, e que a felicidade só é de verdade quando compartilhada. Uma das lições do filme nos remete à seguinte reflexão: vivemos à procura sempre da felicidade e muitas vezes esquecemos que ela tem vários nomes e significados, assim como as plantas selvagens. Às vezes achamos que encontramos a verdadeira felicidade, mas fomos enganados pela semelhança das folhas e sementes da batata roots (daí só para quem assistiu o filme até o final para entender, manja?). Paz, tranquilidade, viver cada momento e estar atento para que não sejamos enganados com falsas felicidades e/ou plantas. Que possamos cada vez mais estar atentos e vigilantes para chamarmos cada coisa pelo seu nome correto, pelo seu nome correto (amor, amizade, parceria, respeito, partilha, alegria, paz, tranquilidade e uma infinidade de bons sentimentos que possamos nos permitir viver...). 
E se por acaso em algum momento da vida nos sentirmos enganados por falsos sentimentos, que a gente se permita recomeçar, compreendendo que tais processos fazem parte da nossa existência como seres humanos imersos na natureza. Que possamos ser cada vez mais um pouco o Gil, que no auge da sua tristeza, consegue ver a beleza da vida, como nos versos de Drão! 

“Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Se o amor é como um grão
Morre, nasce trigo
Vive, morre pão
Drão...”

Obrigada pela parceria e inspiração Supertramp! 
“Só temos 80 anos pela frente…”

FIM 2...

* Texto e edição: Fabiana Costa 
* Músicas Citadas:
Além do que se vê - Los Hermanos 
Fala - Secos e Molhados
Auto-reverse - O Rappa
Partilhar - Rubel
Universo em Desencanto - Tim Maia
Uma Vida Só - O Rappa
Anjos - O Rappa
Jamming - Bob Marley 
Epitáfio - Titãs
Tempo Rei - Gilberto Gil
Os Alquimistas Estão Chegando - Jorge Ben Jor
Chove Chuva - Jorge Ben Jor
Pirambeira - Mosiah
Up&Up - Coldplay
Metal Contra as Nuvens - Legião Urbana
Tocando em Frente - Almir Sater
Podes Crer - Cidade Negra
Floreando - Fino Coletivo
Só os Loucos Sabem - Charlie Brown Jr.
Sentimento - O Rappa
Eu Apenas Queria que Você Soubesse - Gonzaguinha

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