Da quarentena ao pé quebrado: o que a vida tem me ensinado?


Foto: Natália Lucena


Olá, tudo bem? Para você que me conhece há algum tempo, talvez se lembre ou já tenha me ouvido contar sobre a minha fratura no pé há 01 ano atrás, ao surfar uma onda. O dia 07 de abril de 2020 - dia de lua cheia, é simbólico para mim. Ao parar para refletir sobre este processo de quarentena que estamos vivendo há alguns dias, observo alguma "semelhança" com aquele período da fratura no pé, é claro que guardadas as devidas proporções.

Naquele 07 de abril de 2019, tive que parar literalmente por cerca de 50 dias. Uma cirurgia, uma placa e 5 parafusos no calcanhar direito, 60 sessões de fisioterapia e a sensação mais estranha do mundo - a de reaprender a andar, no sentido literal. Foi um período de muitos aprendizados e trocas. Pois eu digo pra você que, mesmo que às vezes possamos nos sentir sozinhos e desamparados, quando olhamos para o lado sempre vai ter alguém para nos ajudar...sempre!

No meu caso, a parceria com meu irmão em casa, as "gastações" na música, nos papos intermináveis sobre a vida, a presença da minha mãe, da minha sobrinha e as visitas dos/as amigos/as foram um presente nos dias difíceis de recuperação da fratura. Só saía de casa para ir na fisioterapia. Aliás, minhas sessões valeriam um capítulo à parte. Entrei na clínica sem pisar no chão e saí pulando, correndo e dropando minha primeira onda após a fratura. Gostaria de registrar a importância de um bom profissional de saúde, e de como ele faz toda a diferença nesses momentos de vulnerabilidades e dúvidas sobre a nossa recuperação. Dedico uma homenagem especial ao ortopedista que fez minha cirurgia e ao fisioterapeuta que ajudou na minha reabilitação.

Observando agora o empenho dos profissionais da saúde na pandemia do Covid-19, só reforça minha ideia de que à vezes só valorizamos esses profissionais, quando precisamos deles. Ao me deparar com algumas angústias ao longo desses 20 dias de quarentena, me sensibilizo e agradeço pela minha saúde e pela minha possibilidade de ficar em casa, por eles e por todas as pessoas que nesse momento necessitam sair de casa e se expor ao risco diário de contaminação.

Hoje, com o meu pé 100% recuperado e com a minha saúde em perfeito estado, encontro-me "sozinha" na quarentena. Mesmo "sozinha", me sinto super conectada e presente na vida das pessoas e consciente de que meu gesto de ficar reclusa um período, não é só por mim, mas por um coletivo. Mesmo que neste momento, eu possua todas as condições de sair correndo por aí, surfando e realizando todas as atividades físicas, minha consciência adquirida naquele período da fratura somada às experiências de vida até o momento, são suficientes para me convencer de que este neste momento não posso pensar só em mim. Existem várias pessoas lá fora expostas ao Covid-19, não por opção, mas por necessidade de trabalho.

Dentre elas, estão meu irmão e meu pai. Pedro Henrique, meu irmão, neste momento é guarda-vida, olha só que ironia né? Tem contribuído com a proteção das pessoas. para que elas não se exponham ao vírus nas praias do ES. Se há 01 ano atrás ele estava aqui me ajudando a recuperar da fratura, hoje ele está lá exposto e contribuindo com a proteção do coletivo. Pedro, meu pai, um idoso de 76 anos, diabético e hipertenso, trabalha no comércio . O espaço comercial que ele ocupa há mais de 30 anos é a sua casa e a "razão da vida", para ele que trabalha desde os 10 anos de idade. Tenho lutado diariamente por telefone para que ele feche as portas do "Boteco do Seu Pedro", mas entendo que a consciência e decisão é dele. Só me resta pedir a Deus a todo momento para que o proteja, assim como o restante da minha família, meus amigos e amigas queridas e que possamos sair dessa pandemia mais fortes e conscientes do que nunca.

Das lições apreendidas até aqui, só me resta reafirmar os ensinamentos obtidos há 01 ano atrás. É impressionante como a vida nos revela diariamente os caminhos do crescimento e de evolução. Tudo bem que na maioria das vezes estamos muito ocupados para dar uma pausa na rotina e refletir. Mas geralmente quando a gente se permite ao silêncio, podemos prestar atenção ao nosso redor e ouvir um pouco mais nosso coração/intuição.
Lição 1 - “Não menospreze o dever que a consciência te impõe”

Nossos aprendizados não são automáticos, demora tempo para que a gente aprenda e se aproprie do conhecimento e das experiências da vida. No atual contexto, várias textos e reflexões tem sido divulgados sobre o que representa esse momento para a humanidade. Vale a pena a leitura!

Não me cabe aqui julgar suas crenças. Mas penso que, seja para quem é ateu ou para quem acredita no poder da espiritualidade, esses dias de quarentena servirão para nos abrir a mente e obter novos aprendizados. Pode nos levar a refletir sobre a importância da nossa consciência, tanto coletiva quanto individual, no enfrentamento dos desafios dessa pandemia e de como será o mundo após todo esse processo.

Seguir nosso fluxo no automático pode até ser mais fácil, mas os riscos de repetirmos atitudes, erros e ignorarmos nossa essência e nossa intuição são enormes. Prefiro aproveitar esse momento para olhar para dentro de mim e procurar expandir minha consciência de forma otimista e acreditando que em breve estaremos juntos novamente, cantando, tocando, surfando e celebrando a vida como ela deve ser, com muita consciência, parceria e amor.

Lição 2 - “Cuide de quem corre ao seu lado e quem te quer bem, essa é a coisa mais pura”

Nestes momentos é que temos que valorizar ainda mais e investir no cultivo das nossas relações, no respeito ao outro e no amor que oferecemos ao universo.

Imaginar a dor de quem está perdendo seu entes queridos e o sofrimento de uma grande parcela da humanidade neste momento, nos impõe uma situação de incapacidade e limitação em poder ajudar mais. Quem sabe emanar energias positivas ao universo já é um bom começo?

Desejar o bem, praticar a solidariedade e a compaixão deveria ser um hábito diário, tipo escovar os dentes e tomar café da manhã. Não podemos mais nos limitar a naturalizar certas posturas e atitudes que não contribuam para o bem coletivo. Nos momentos que mais precisamos, pode acreditar que a vida te retribui em solidariedade, cuidado, respeito e acolhimento das pessoas queridas que sempre cruzam o nosso caminho.

Lição 3 - “resgate suas forças e se sinta bem, rompendo a sombra da própria loucura”

Fraturar o pé me trouxe de volta a convivência com meu irmão e a aproximação ainda mais forte com as pessoas que são e se tornaram importantes na minha vida, resgatando minha certeza de que “o que importa é se sentir bem, o que importa é fazer o bem, eu quero ver meu povo todo evoluir também”

Resgatar nossa força interna neste momento de quarentena é essencial. Para quem está longe da família e impedido de vivenciar momentos com as pessoas importantes, vale a reflexão - precisamos aproveitar nossas vivências com mais atenção e qualidade.

Desejo que ao passar o período da quarentena possamos estar mais maduros e conscientes, no sentido de cultivar e investir mais nas parcerias e valorizar ainda mais quem corre do nosso lado, na hora que a gente precisa.

Lição 4 -  “buscando um novo rumo que faça sentido nesse mundo louco”

O nosso caminhar é individual, e por isso devemos nos libertar de tantas exigências e padrões impostos pela sociedade. Seguir nosso próprio fluxo e padrão de vida é libertador e ninguém chega neste estágio sem sofrimento e sem refletir muito sobre seus processos. Cada dia ao longo desses 365 dias fazem mais sentido na minha caminhada.

Seja em momentos de quarentena ou naqueles que nos demandam decisões e tomada de consciência - SIGA SUA SETA! Tenha atitudes de acordo com o que você acredita e não o que a sociedade nos impõe e nos cobra. Isso vai te custar um pouco mais caro do que os pacotes promocionais das redes sociais e seus padrões industrializados. No entanto, a sensação de liberdade de poder traçar seu próprio caminho e procurando acordar todos os dias com a sensação de que "meu caminho pelo mundo eu mesmo traço. A Bahia já me deu régua e compasso. Quem sabe de mim sou eu. Aquele Abraço!". Gilberto Gil nos presenteou com a música "Aquele Abraço" composta em 1964 quando ele e Caetano Veloso deixaram a prisão no período da ditadura militar.

Por ironia do destino, tudo que desejamos nesse momento é poder nos abraçar novamente e compartilhar momentos especiais com nossos amigos, familiares, amores, velhos ou novos laços que serão estabelecidos daqui pra frente. Seguimos nosso fluxo com o "pé em Deus e fé na taba..." como nos cantou os Tribalistas. Vamos por aí encontrando nossas tribos, como o pé no chão e reaprendendo, sempre que for necessário, a caminhar, pois nessa estrada “o que se leva dessa vida, é o que se vive, é o que se faz”.

Gratidão a todos/as que têm compartilhado comigo essas vivências, seja de perto ou de longe…espero vocês do outro lado dessa quarentena para celebrar.

Aloha! :-)

Músicas citadas: 1) Pontes indestrutíveis (Charlie Brown Jr.); 2) Aquele Abraço (Gilberto Gil)

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