Carol Teixeira: 'A descoberta de que o corpo era para mim e não para o outro foi talvez a mais intensa revelação da minha vida adulta'

Carol Teixeira, filósofa, escritora e terapeuta tântrica Foto: Arte de Ana Luiza Costa sobre foto divugação
Carol Teixeira - Foto: Arte de Ana Luiza Costa sobre foto divulgação

Carol Teixeira *

A convite do projeto Celina, filósofa e terapeuta tântrica escreve carta à autora francesa,refletindo sobre a atualidade de "O segundo Sexo" 70 anos depois de seu lançamento.


Simone,

Eu me tornei mulher. Não a mulher que a sociedade queria, mas a que eu lutei para criar, impondo a autonomia da minha própria subjetividade.

Minha preocupação, assim como a sua, sempre foi a liberdade. Mas a minha noção do que é ser uma mulher livre mudou muito ao longo dos anos - especialmente no que diz respeito à sexualidade, que sempre vi como ferramenta essencial no empoderamento.

Já achei que ser livre sexualmente era ser hardcore, fazer de tudo, não romantizar relações. Já achei que ser empoderada era gostar de sexo casual, não ligar no dia seguinte, ter relação aberta. Ir contra o estigma da santa parecia subversivo numa sociedade que manda as mulheres fecharem as pernas.

Até que um dia percebi que estava sendo uma falsa empoderada, que, enjaulada na "liberdade" da mulher contemporânea estava sendo apenas mais uma peça no jogo patriarcal. Porque, você sabe, o patriarcado tem armadilhas cruéis, formas nada óbvias de nos escravizar. Essa é uma delas: fazer você achar que está sendo livre, fazer você pensar que está escolhendo, quando, na verdade, está servindo ao circo patriarcal.

Você já sentiu isso? Quando penso na sua relação aberta com o Sartre, às vezes acho que, em algum momento, você se viu escrava da insustentável leveza daquela suposta liberdade. O que seria irônico, atentar contra esse tema tão essencial para vocês dois. Estou certa? Está vendo como é difícil? Para nós nunca é fácil.

Gostaria de saber quando você se sentiu totalmente livre. Sabe quando eu me senti? Quando superei o existencialismo (desculpa, tive que superar) e conheci o Tantra, essa filosofia sensorial, matriarcal e desrepressora que mudou minha vida. Tive que sair um pouco da cabeça, Simone. E ir para o corpo, porque foi do corpo que fomos privadas por tanto tempo. A descoberta de que o corpo era para mim e não para o outro foi talvez a mais intensa revelação da minha vida adulta. Era urgente a importância de tomar para nós algo que nos foi roubado por tantos séculos, como que num grito de libertação. E então comecei a respeitar minha carne de mulher em suas reais vontades, suas sutilezas. Especialmente nas sutilezas. E isso foi libertador. Eu percebi que, se eu podia tudo, então podia começar a escolher o que realmente queria. E vi que talvez o que desejava não estivesse naqueles símbolos clichês de liberdade, eles seriam apenas outra gaiola patriarcal.

*Carol Teixeira, filósofa, escritora e terapeuta tântrica



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